terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Peixe-bomba





Eu tinha um peixe que se chamava Jeremias e, por infortúnio do destino, foi o último a morrer dentre os seus amigos aquáticos. Durou muito tempo para um peixe e talvez pela onda de homem-bomba, carta-bomba, tudo-bomba, tenha se tornado um peixe-bomba. E, dessa vez, cedo demais.

Eram seis horas da tarde quando o sinal da AASB (Associação dos Aquáticos Saltantes e Borbulhadores) chegou. Eu estava dormindo, mas, pelo que me disseram, a Operação dos Peixes Oprimidos começou com mergulhos parafusos e pequenos espirros d'água ali e aqui, perto do interruptor. Com o tempo, foram evoluindo para saltos olímpicos extraordinários até resultarem em uma descarga elétrica em uma caixa de fogos de artifícios. Foi um estouro de todas as cores pelos ares. Eu, que acordei meio atordoada  saí correndo em estado de pânico, salvei apenas as minhas pantufas.

Enquanto os bombeiros não chegavam, a imagem da minhas casa em chamas me agonizava ao me lembrar do peixe. Pensei que já havia tostado. Puro engano. Ao fim, ele estava intacto. E, antes de algum novo acidente, decidi me livrar dele. Soltei-o em um rio qualquer, cujo destino desconheço , mesmo sem saber se é de fato uma boa idéia. Com essas marés de tsunami e El niño, talvez ele vire peixe-relâmpago ou, quem sabe um dia, peixe-morto.

De qualquer forma, é por isso que dizem que os cachorros são os melhores amigos do homem, eles não possuem nenhuma organização, a não ser os que são raivosos, latidores, arranhadores, mordedores, policiais, jedis...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Assalto à-moral

http://flickr.com/suzen

Num brechó localizado no centro histórico do Rio de Janeiro, havia duas cadeiras. A primeira oriunda de um burguês falido do Leblon e a segunda da família de um traficante morto. Entre os burburinhos das pessoas, elas conversavam:

- O centro tá cheio hoje, hein?
- É...
- Acha que vão te comprar?
- Quê isso, bróder, tô acabadona e tu?
- Ah, sou muito cara e não vejo socialites por aqui.
- É, tá loco, mano, medão de ser assaltada ou morrer.
- Verdade.. Como que era lá no morro?
- Fogos de artifício e tiro ao alvo sem prendinhas. E lá no aparti?
- O garanhão não trabalhava, vivia de herança, mas depois de tanta amante perdeu tudo na justiça.
- Sei como é... Ah, nem... bem que podiam tirar a gente do sol, né?
- ih... Olha lá o tipo, hein?
- Tirou uma nota de cem, mano, burguês vestido de tráfico.
- De vez em quando, eu acho que eles são um povo só.
- E são, mas fingem que não.
- Olha o arrumadinho, aí.

"Assalto!" "Assalto!"
Roubaram tudo e as cadeiras foram quebradas.

Tatuagem

http://www.fotolog.com/de_oleacea

Caminhando com uma caneta no bolso, eu sento na calçada e penso nas milhares de histórias que ela pode contar. Seja rabisco ou palavra, signos novos e velhos, guardados na tinta e na mão de quem escreve. Pelas madrugadas, enquanto essa crônica é construída, eu entendo finalmente o caso de amor do papel pela cor que a caneta de fina ponta o corta metaforicamente. É um caso que o o Homem induz e assiste, porque não podia viver sem.


Na imensidão do Homem existe um abismo que só pode ser visto sob a óptica do risco no papel. Que nem sempre foi papel. Foi pedra pintada por antigas civilizações, outras vezes entalhada. Até chegar na forma branquinha, houve um caminho árduo com papiros e pergaminhos. E não pôde ser a bruta mão humana quem continuava a pintá-la, dedo a dedo, ou um pedaço de pedra, primeiro veio a pena. Com ela, tinteiros se derramaram de cartas, petições, notícias, livros e desenhos.

Caminhando com uma caneta no bolso, eu carrego a obra prima da tradução da humanidade, lei a lei, regra a regra, linhas permeadas ou não de poesia. Quem olha de longe, tão comum, pensa, " é uma moça com caneta no bolso", "só". Mas dentro do tecido da minha calça cabem coisas incabíveis, que conseguem apenas transbordar para o mundo. É por isso que passo noites inteiras de insônia com a mão coçando. De tantas idéias saltando, elas escorrem e fogem do tempo de riscá-las no papel branco.

Branco, como milhares de cores juntinhas e girando rapidamente. Entre pilhas de guardanapos e chamex, as paredes da humanidade soerguem nesse abismo louco chamado linguagem. Discurso a discurso, o papel segue o curso que a caneta comanda, num rio de tinta de correnteza, que a mão realiza por não conseguir deixar de ser parte. E nesse depende-e-depende, o Homem não vive sem a caneta, nem ela sem o papel, assim como o papel não tem sentido sem o Homem.

Caminhando com uma caneta no bolso, eu sou Homem e papel, e, papel e Homem, me rabisco.