sábado, 22 de fevereiro de 2014

Tenho amigos habitados por árvores



há vários pés de tarumã dentro deles.
onde se pode deitar à sombra
e contemplar o todo, a vida que passa,
a natureza de agoras.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Confessionário


 
 
Às histórias são feitas jus se contadas com esmero. Tal um gole de vinho que se deixa demorar na boca, no intuito de se reconhecer bem mais que seus taninos. São nas histórias que reconheço a plenitude das coisas. E, sem elas, sou apenas abismo.
 
Começo também com um pedido desesperado a uma Jéssica do futuro. Para que, caso eu falhe, encontre aqui os nós que precisam ser desatados. Cabendo a ela, a tarefa fenomenal de rearranjar as cordas vocais do meu texto. E que assim tremulem. E que assim balacem. Incessantemente. Até fazer soar um grito rouco e gutural, que aí sim estarei eu travestida de metáfora. E serei plena como todas as coisas.
 

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010




Querido amigo,


descobri que livros fechados me dão tristeza.

Parecem palavras guardadas em caixa, como evaporar a tinta de cartas, fustigar o silêncio de um papel amarelo e rasgado, vê-lo limpo, e saber-se só - que o tempo corroeu o nada.

Caro amigo, até mesmo velas apagadas dizem mais do que palavras que se fecham. Existe fumaça, um rastro, fuligem, vestígio de guerras travadas entre o breu e a escuridão. Um livro fechado, no entanto, não diz nada. Não mais do que está ali e fechado. Alguém pode abri-lo. Mas há inúmeras incertezas entre poder e ser. Daí, quando fito uma biblioteca de livros fechados – que é o que as bibliotecas são - , minha mente é comprimida, sinto que meu crânio redobra um tanto a massa cinzenta e estou dois dedos de espaço a menos de exprimir qualquer verdade.

Ah, amigo, ainda não consigo compreender porque certezas se apagam, se não são exatamente quando os olhos se fecham.

Estou sentada no parapeito da janela, tentando capturar o horizonte. Não sei o que ele tem a me dizer. Quero decifrar o que se esconde atrás da nuvem disforme a muitos mais palmos do que consigo mensurar. Talvez um imenso branco, um papel tridimensional de gases rarefeitos, onde não se escreve, não se diz, e não há gaivotas, porque não se respira. Talvez meu quarto, com seus livros fechados, imensamente mudo, onde o espectador se perde entre o nada e o outro nada. 

Preciso de respostas, mas o céu não pode me mirar de volta, eu também não. Penso em abrir todos os livros do meu quarto, quero olhá-los por inteiro, mas talvez não haja espaço. Amigo, onde mesmo nos findamos?

Há limites nas palavras e há tantos outros nos meus olhos, estou tentando me convencer de que são enfadonhos perto do que existo. Estou procurando uma fresta, ela não está em janelas abertas, quem sabe em um muro antigo esburacado ou nos ouvidos de alguém, mas - por tinteiros - que não seja muda. Se encontrar essa realidade, amigo, por favor, peça a ela que me encontre.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

exprimo


, upload feito originalmente por frontierpsychiatrist.

palavras que cheiram a guardado.
como se a todo instante buscassem o mover dos olhos de Maria, mas suas pálpebras continuassem cerradas, estivessem mesmo presas por uma ternurinha, filete de poeira que já se apelida de esquecimento.








mil fotografias do ontem perdidas em meus dedos


, que escrever é ressuscitar o instante sem a certeza do agora.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

muito é o tempo



maria!

não sabe o caminho.

maria! maria! volte aqui!

maria!

não sabe o caminho.


porque nunca foi desenhado. não existe em um mapa, nem em um quadro ou um risco ou um borro. não é feito de estrelas, nem pedras, nem pistas. não há como segui-lo, nem prendê-lo, capturá-lo entre os dedos. porque o caminho está confinado em um tinteiro e se estende em todas as direções.

porque o tinteiro nunca deixou a estante da loja. nem a fábrica de origem. nem a ideia que o criou. porque não existia ideia. ela agora existe. existe e caminha. não, mais rápido do que isso, nesse enquanto os pés de maria giram no ar, e a ideia é algo que se pedala e imprime histórias no asfalto e não diz onde, nem quando, que, se maria nunca parar, não acaba, não existirá, nem existiu,
o caminho é sempre presente.