sexta-feira, 10 de dezembro de 2010




Querido amigo,


descobri que livros fechados me dão tristeza.

Parecem palavras guardadas em caixa, como evaporar a tinta de cartas, fustigar o silêncio de um papel amarelo e rasgado, vê-lo limpo, e saber-se só - que o tempo corroeu o nada.

Caro amigo, até mesmo velas apagadas dizem mais do que palavras que se fecham. Existe fumaça, um rastro, fuligem, vestígio de guerras travadas entre o breu e a escuridão. Um livro fechado, no entanto, não diz nada. Não mais do que está ali e fechado. Alguém pode abri-lo. Mas há inúmeras incertezas entre poder e ser. Daí, quando fito uma biblioteca de livros fechados – que é o que as bibliotecas são - , minha mente é comprimida, sinto que meu crânio redobra um tanto a massa cinzenta e estou dois dedos de espaço a menos de exprimir qualquer verdade.

Ah, amigo, ainda não consigo compreender porque certezas se apagam, se não são exatamente quando os olhos se fecham.

Estou sentada no parapeito da janela, tentando capturar o horizonte. Não sei o que ele tem a me dizer. Quero decifrar o que se esconde atrás da nuvem disforme a muitos mais palmos do que consigo mensurar. Talvez um imenso branco, um papel tridimensional de gases rarefeitos, onde não se escreve, não se diz, e não há gaivotas, porque não se respira. Talvez meu quarto, com seus livros fechados, imensamente mudo, onde o espectador se perde entre o nada e o outro nada. 

Preciso de respostas, mas o céu não pode me mirar de volta, eu também não. Penso em abrir todos os livros do meu quarto, quero olhá-los por inteiro, mas talvez não haja espaço. Amigo, onde mesmo nos findamos?

Há limites nas palavras e há tantos outros nos meus olhos, estou tentando me convencer de que são enfadonhos perto do que existo. Estou procurando uma fresta, ela não está em janelas abertas, quem sabe em um muro antigo esburacado ou nos ouvidos de alguém, mas - por tinteiros - que não seja muda. Se encontrar essa realidade, amigo, por favor, peça a ela que me encontre.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

exprimo


, upload feito originalmente por frontierpsychiatrist.

palavras que cheiram a guardado.
como se a todo instante buscassem o mover dos olhos de Maria, mas suas pálpebras continuassem cerradas, estivessem mesmo presas por uma ternurinha, filete de poeira que já se apelida de esquecimento.








mil fotografias do ontem perdidas em meus dedos


, que escrever é ressuscitar o instante sem a certeza do agora.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

muito é o tempo



maria!

não sabe o caminho.

maria! maria! volte aqui!

maria!

não sabe o caminho.


porque nunca foi desenhado. não existe em um mapa, nem em um quadro ou um risco ou um borro. não é feito de estrelas, nem pedras, nem pistas. não há como segui-lo, nem prendê-lo, capturá-lo entre os dedos. porque o caminho está confinado em um tinteiro e se estende em todas as direções.

porque o tinteiro nunca deixou a estante da loja. nem a fábrica de origem. nem a ideia que o criou. porque não existia ideia. ela agora existe. existe e caminha. não, mais rápido do que isso, nesse enquanto os pés de maria giram no ar, e a ideia é algo que se pedala e imprime histórias no asfalto e não diz onde, nem quando, que, se maria nunca parar, não acaba, não existirá, nem existiu,
o caminho é sempre presente.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Direito urbano



Estava caminhando na direção do fórum. Meus pés tremiam e a visão era turva, já se confundia entre a paisagem e um ponto no infinito. Segurava a maleta preta, ela acompanhava meus passos no sentido contrário. Era um movimento pendular e frenético, eu não queria parar. Seguia o tumulto que enche o centro nas tardes escaldantes de agosto. Os carros lutavam para se movimentar nas vias que os transeuntes invandiam e não se preocupavam com o fluxo, a não ser o próprio.

Neste enquanto, minhas pernas conheciam a dor. Sentia o ácido lático no meu corpo, podia mensurar seu movimento. Queria parar. Não. Eu não podia parar. Tinha que alcançar o fórum, era o meu cansaço ou o processo mais importante da minha carreira. Eu não podia falhar. Mas o sinal abriu. Abriu. Por que diabos não esperei que ele fechasse novamente? Meus braços se moviam, possuía os sapatos sobre o negro do asfalto, o branco de tinta, o negro, o bran. Foi tão rápido. Eu não percebia, uma porta que abruptamente se abre e sou bruscamente puxado para dentro.

De repente, estava parado. Mais do que isso, estava no escuro. Algo me envolvia, não enxergava, não conseguia pronunciar palavra alguma, grunhia. Minha circulação não sei se desacelerava ou o pânico que pulsava, só percebia os solavancos do peito e o carro. É. O carro, que é a única coisa que se move e abre portas no trânsito e tem cheiro de borracha.

Pela primeira vez, ouvia uma voz. O que a gente faz com a maleta? Alguém, ao meu lado, respondia. Vamos queimar. Não. Não. Isso não era possível. Eu queria me mexer. Eles não podiam. Não tinham esse direito. Eu. Eu. Eu estava. Imobilizado. Foi quando percebi que talvez me queimassem junto. A partir desse instante, só conseguia pensar em minha mulher. Ela preferia morar em uma cidade pequena. Nada disso estaria acontecendo, se eu, na minha vã ignorância, tivesse lhe dado ouvidos.

Não havia o que fazer. Eu transpirava ou era choro, não sei, o desespero não se diz. Sentia as trepidações do carro. Elas se tornavam vagarosas. Mais vagarosas. Mais. E param. Uma porta novamente é aberta, sou jogado para fora e o carro partia.

Demorei certo tempo para perceber que estava sozinho. Não fosse o cheiro de terra e poeira, não saberia que estava no mato. Rolei, tateei o chão, achei uma pedra. Com muito custo, consegui me desvencilhar das cordas, mordaça, capuz. Via. O sol me cegava. Via. O sol me queimava. Arfava o calor, o tempo, a poeira. Eu me levantei. Não sabia onde estava, mas comecei a andar. Estava caminhando na direção do fórum. Meus pés tremiam e a visão era turva, já se confundia entre a paisagem e um ponto no infinito.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

lágrima



mar mar mar mar água

mágua

domingo, 16 de maio de 2010

III - no princípio era um vão que cai


, upload feito originalmente por mary_robinson.






estou tentando capturar um sentido
beira de estrada e significado
uma travessia de destino e vontade
assisto os corpos que passam e levam
as horas esbarradas de um encontro
que não chega
beijando, a um sorriso, grama verde
muito verde
e água que corre sem cor
permaneço na iminência de mover
o sapato risca o vento e o olhar foge

do prin ci pí cio

sexta-feira, 7 de maio de 2010

"Não se pode fugir a um infinito, disse comigo, fugindo em direção a outro infinito; não se foge da revelação do idêntico, na ilusão de que se pode encontrar o diverso."



Umberto Eco - O pêndulo de Foucault







"As sombras dizem mais às pessoas solitárias, são sempre um esboço menos severo de algo. Se intensas e contínuas, o que nos resta é breu de luar, faz dos olhos nebulosas inconstantes que se abrem e apagam. Nunca sei o que realmente se passa no escuro, quando cerro minhas pálpebras, e nego com inocência infantil que o que miro ao abrí-las possa vir a ser uma miragem ou uma peça que o passado me pregou. Há muito nos instantes em que me ausento. Há tanto que horas se tornam inacabadas por milésimos de segundo inconcebidos.”

 

Maria parava por sabe-se lá quanto tempo, uma ou duas pitadas de ponteiros. A minha mudez era tamanha que o silêncio fazia com que meus ouvidos doessem. Enquanto ela tocava a xícara com os lábios, minha percepção mais aguçada se encontrava, penso que conseguia ouvir o líquido se movendo.

não sobre o tão fracasso.



tão. que é impossível que se sobrescreva.


uma caneta seca um papel abandonado, esperando que o vento
- ou uma brisa endemoinhada-

lhe imprima um futuro maior que o acaso.

palavras dependuradas se amarram e balançam e tentam.
jogarem-se para fora de um poço.

mas não são notadas.






)a única verdade sobre o desespero é que não se diz(

terça-feira, 6 de abril de 2010

II - O velho que sou



Ninguém saberá por meio das minhas fatigadas vistas)
Quão vazio o vazio é.
Nem as pedras do caminho,
Nem as tristezas, que de tão pequenas encolhem.
O vazio é felicidade demais.
(Ter tudo e saber nada.

elemento






não tem gênero. cor. trajetória.

impregna em todos os lugares.

não diz como. onde. quem.

nem volta.

decai exponencialmente.

mas demora.

tanto que acaba vida e ele fica.

dividindo caminho,custando limite.

de rumo e direções adversas,

sente

quem se percebe turvo, quase bêbado,

perseguindo relógio de pêndulo

cambaleando,

quer comprimir o instante,

mas não cabe no bolso.



saudade é radioativo.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Fotografia





Diz-se que o vermelho amargurava fino traço negro.


Toda manhã os cílíos rentes ao mundo se prendiam a uníssono tom, que era para deixar o olhar pronto, que quem o visse soubesse, - estes olhos sobrescrevem o abismo.
Enquanto segurava seu lápis bourjois, Maria, que era Maria porque não nascera Teresa, segurava também a verdade, riscava o que via antes de o ver, metia-se na vida como quem brinca, mas de fato circunscrevia a mira. Tudo o que houvesse abaixo da sua escuridão voluntária, mais singela que qualquer coisa que lhe caiba, fosse mesmo de enigma menor, nada como o que sua íris engloba.

Daí importa que tudo acabe. Ninguém se pergunte mais do que isso. Que a pergunta nem sempre traz resposta, mas inquieta.



Diz-se que o vermelho amargurava.



Mas seus lábios permaneciam imóveis, sabe-se porque não se ouvia. Talvez até caminhasse aquele que sentava. Que sua visão era o numinoso fechando os sentidos.
Alguém seguramente escreveu que ela mirava a Hera que subia os muros. As folhas secundárias verdes, como se as janelas de Maria se fechassem ao entardecer, mais escuras que sua íris. E depois o que vinha, não sei. Ela foi. Seu olhar ficou no muro. Tal hipnose de perfume inodoro. Atrai e prende, e ser presa atrai. Todo um resto de desfoque e uma impressão vaga de caminho.

Quanto tempo, que se mede aqui por abertura e exposição, os relógios já erram, cerram, suas pálpebras.



Diz-se fino traço negro.


O verde cala com Maria, que muda disse, quando viu o silêncio.
E eis que, ao abrirem os olhos de sombra,


assombro,




sentiram-se delineados por ternura.