sexta-feira, 31 de outubro de 2008
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Até a terra dos medos (parte 1)
"el uno en el pucho del otro, nos frotábamos con los ojos, estábamos tan de acuerdo en todo que era una vergüenza,..."
(o primeiro no resto do outro,
nos esfregávamos com os olhos,
estávamos tão de acordo em tudo
que era uma vergonha,...)
nos esfregávamos com os olhos,
estávamos tão de acordo em tudo
que era uma vergonha,...)
Andava apressada naquela manhã chuvosa de novembro. O coque mal permanecia intacto e as mechas lisas teimavam a escorregar de encontro aos olhos. Nem tivera o tempo de mirar o amassado corriqueiro na barra do vestidinho branco. Ajeitou a cruz vermelha em chapéu e rumava para o asilo. Acordara tardiamente ou eram seus pés pequenos demais para o chão em tão curto enquanto. E esse guarda-chuva (!). Que guardava mais chuva que ela. Cada gota a fazia mover com maior freqüência, meio que a se enganar que chegaria límpida - e pronta o suficiente para não perder o emprego.
Agora via o portão entreaberto no qual a água ricocheteava, respingando no seu rosto. Preferia ignorar qualquer erro, pensou, quase tomando as grades azuis descascadas com o punho esquerdo. Menos aquilo. Um corpo, quase um homem, solapara no asfalto, arrastado pela jorrada, vindo bater na grade dois metros ao seu lado. Caminhou na sua direção. Sangrava, mas seus olhos continuavam absortos, não aparentava dor. Apoiou-o em seus braços e enquanto adentrava o asilo ele parecia não se importar. Na verdade, parecia mesmo nem notar a sua presença, como se ainda estivesse sendo levado pela chuva.
A sombrinha entrou guiada pela corrente de água no nicho que a porta aberta deixara, batendo nos pés de um idoso.
-Belinda, você voltou?
-Não, Serafim, sou eu! Preciso de ajuda, vá chamar os outros enfermeiros.
Ela pegou a maca já em desuso, devido aos mínimos acidentes que ocorriam, e o depositou. Guardou-o ali como se fosse uma caixa perfeita. Geometricamente perfeita. Olhou em seus olhos outra vez. Lembravam vidro. Será que havia perdido muito sangue? Não, Não... tinha certeza de que o trouxe o mais rápido que pôde. Foi chegando mais próxima do rosto, devagar... Encostou sua testa na dele. Piscou.
-Eu não sinto nada.
Esborrachou apavorada e desconcertadamente, ele tinha alma afinal.
-E só agora me diz que vive? Como não sente?
-Tenho CIPA, não sinto dor.
-Oras, mas supostamente você deveria sentir ao menos a pressão do toque.
-É, creio que minhas fibras de compressão atrofiaram ou de tanto só sentir esboço, esqueci de apontar o lápis outra vez.
-De qualquer forma, não sairá daqui até cuidar desses ferimentos... é.. hã...
-Ernesto.
A enfermeira sorriu.
-Os outros devem estar a caminho.
-Obrigado, Marcela.
-Por nada... Ah!Como sabe...
-Quem não sente nada, ao menos alguma coisa tem que enxergar.
-O quê?
-Seu crachá.
-Já tinha...
-Eu sei. Pode ir, não se incomode.
Saiu atrás do seu guarda-chuva, um tanto embarassada, sabendo que teria que ler novamente a mesma história para o Senhor Carmela. Já se estranhando, trouxe a esse asilo a entrada de duas almas - temporalmente avessas.
Agora via o portão entreaberto no qual a água ricocheteava, respingando no seu rosto. Preferia ignorar qualquer erro, pensou, quase tomando as grades azuis descascadas com o punho esquerdo. Menos aquilo. Um corpo, quase um homem, solapara no asfalto, arrastado pela jorrada, vindo bater na grade dois metros ao seu lado. Caminhou na sua direção. Sangrava, mas seus olhos continuavam absortos, não aparentava dor. Apoiou-o em seus braços e enquanto adentrava o asilo ele parecia não se importar. Na verdade, parecia mesmo nem notar a sua presença, como se ainda estivesse sendo levado pela chuva.
A sombrinha entrou guiada pela corrente de água no nicho que a porta aberta deixara, batendo nos pés de um idoso.
-Belinda, você voltou?
-Não, Serafim, sou eu! Preciso de ajuda, vá chamar os outros enfermeiros.
Ela pegou a maca já em desuso, devido aos mínimos acidentes que ocorriam, e o depositou. Guardou-o ali como se fosse uma caixa perfeita. Geometricamente perfeita. Olhou em seus olhos outra vez. Lembravam vidro. Será que havia perdido muito sangue? Não, Não... tinha certeza de que o trouxe o mais rápido que pôde. Foi chegando mais próxima do rosto, devagar... Encostou sua testa na dele. Piscou.
-Eu não sinto nada.
Esborrachou apavorada e desconcertadamente, ele tinha alma afinal.
-E só agora me diz que vive? Como não sente?
-Tenho CIPA, não sinto dor.
-Oras, mas supostamente você deveria sentir ao menos a pressão do toque.
-É, creio que minhas fibras de compressão atrofiaram ou de tanto só sentir esboço, esqueci de apontar o lápis outra vez.
-De qualquer forma, não sairá daqui até cuidar desses ferimentos... é.. hã...
-Ernesto.
A enfermeira sorriu.
-Os outros devem estar a caminho.
-Obrigado, Marcela.
-Por nada... Ah!Como sabe...
-Quem não sente nada, ao menos alguma coisa tem que enxergar.
-O quê?
-Seu crachá.
-Já tinha...
-Eu sei. Pode ir, não se incomode.
Saiu atrás do seu guarda-chuva, um tanto embarassada, sabendo que teria que ler novamente a mesma história para o Senhor Carmela. Já se estranhando, trouxe a esse asilo a entrada de duas almas - temporalmente avessas.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
O silêncio da chuva. Começa com a primeira piscadela de uma gota para o chão. De pouco, indivíduo a indivíduo se esconde. Embaixo d'uma folha, dentro do tronco seco, num buraco, uma casinha de barro, paredes de concreto. Animal, monstro, homem, quando o friozinho do vento úmido chega, hiberna numa toca em busca de aconchego. O lado de fora vai ficando um tanto mais quieto, dança do abandono de água e ar. E quem se atreve a desbravá-lo sente o barulho do seu passo acompanhado. Para tanto, que sente que não emite som, nem chuva, nem vento. Sente mesmo é o barulho da calma; ouve no tempo um silêncio sem solidão. Quem tem coragem enxerga num vendaval, por mais danoso e urgente de fuga, um refúgio. Quando todos se guardam por dentro, ele se encontra na casca. E essa casca é a coisa ainda que não se vê povoada de som, é o silêncio da chuva e o carinho do vento. É o meu desespero esvaziado pela fuga do mundo. Esvaziado, o mundo, pela fuga do espero. Mas a corrente de ar não dá passagem, não agüenta, rasga, atravessa vestida de chuva. E eu?...
Dispo o vento.
Dispo o vento.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
A-pesar
Nasser caminhava pelas vias do fórum em busca da mecanografia, precisava de cópias de um processo pelo qual indiciou uma empresa. No caminho, via sua imagem refletida nos espelhos do Hall, esse não podia ser ele. Lembrava-se fielmente dos lindos cabelos que escorriam pelo rosto, que agora haviam sido tomados por uma calvície irreparável. O que mais lhe incomodava eram as rugas, sempre tivera um rosto tão rijo, para onde ele foi?
Parou de súbito ao perceber que quase trombara com a fotocopiadora. Sentiu que finalmente solucionara sua charada existencial: queria ser uma fotocópia de quando era jovem. "Por que é mesmo que isso devia se perder?", indagou-se. A esposa já não era a mesma, nem mesmo os olhos, aquele brilho de recém-casados envelheceu com o resto do corpo, com a alma.
Semana que vem faria 50 anos de idade e 30 de casado, já com as cópias nas mãos, talvez devesse comprar uma jóia para Alin, ela merecia por ter agüentado este traste. Já não é mais tão bom na aparência, no conforto, muito menos no sexo, não sabia como ela suportara. Nem Nasser se suportava.
Teresa o interrogou no caminho de volta sobre algo que não deu ouvidos, talvez esse fosse o motivo pelo qual batia freneticamente na porta de vidro da sua sala agora. Abriu a porta. "Diz". Ela o fitou de cima em baixo, os mesmos sapatos, o mesmo terno, a mesma gravata surrada de sempre. "Eu não acredito que você se esqueceu..." Mas é claro que iria se esquecer da festa "surpresa" para aniversariantes do mês da empresa. Era sua sentença de morte, do quão mais próximo ficava dela.
Virou as costas, deixou Teresa gritar, deixou o escritório na lista de espera, precisava de Alin, ela sabia dele, de antes, do brilho fosco e envelhecido. Tomou o volante nas mãos, fez curvas bruscas, tais como as que nunca ousara fazer durante a vida nova. Abriu o portão, alcançou o quarto de hóspedes, ela continuava lá, naquela maca, imóvel, muda, com aqueles olhos absortos. Beijou sua fronte. Nasser sabia que ela não o via por fora, mas ainda inteiramente por dentro. Para ela, Nasser não tinha rugas, nem calvície, tinha saudade.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Precisa-se de
foto: http://flickr.com/narlik
tubarão disposto a me decapitar delicadamente conciso.
frizz: delicadamente conciso.
sábado, 11 de outubro de 2008
Em 1977
" Clarice Lispector: - O que mais lhe perguntam?
Lygia Fagundes Teles: - Eis o que me perguntam sempre: compensa escrever? Economicamente, não. Mas compensa - e tanto - por outro lado através do meu trabalho fiz verdadeiros amigos. E o estímulo do leitor? E daí? "As glórias que vêm tarde já vêm frias", escreveu o Dirceu de Marília. Me leia enquanto estou quente. "
(o Rodrigo merece ouvir isso)
~*~
Lygia Fagundes Teles: - Eis o que me perguntam sempre: compensa escrever? Economicamente, não. Mas compensa - e tanto - por outro lado através do meu trabalho fiz verdadeiros amigos. E o estímulo do leitor? E daí? "As glórias que vêm tarde já vêm frias", escreveu o Dirceu de Marília. Me leia enquanto estou quente. "
(o Rodrigo merece ouvir isso)
~*~
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Assinar:
Postagens (Atom)