domingo, 13 de dezembro de 2009



estou tentando livrar a cara do medo
mas ninguém vive sem furtar coroas o presente


[e uma risada embasbacada de desgosto.




terça-feira, 10 de novembro de 2009

eu [ou como se quase diz o que se sente.]


.,



Tanto o peso prendia o passo no instante mais,


uma brás ilha que se alagava, mas não movia monumentos,




soltei as amarras e flutuo.


N'um céu de mármore e grama,


caminho o tempo, antes que o tempo me encaminhe.





A falta,



J..

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

I - Moro em todos os lugares


aos cegos,
que sentem mais
do que veem



"E de novo o embrutecimento suave o dominava. O chão era tão longe que, abandonando o corpo, este por um instante experimentava a queda no vácuo."

A maçã no escuro - Clarice Lispector



"O meu apartamento fechava-se como um punho.
Eu tinha visto o cedro fincar-se no cascalho e salvar da morte o leque de ramagens.
O cedro, que combate noite e dia, na sua própria densidade,
e se alimenta num universo inimigo dos seus próprios fermentos da sua destruição,
nunca mais tem sono.
O cedro a cada instante se funda."

Cidadela - Antoine de Saint-Exupéry




I

MORO EM TODOS OS LUGARES


Tenho
a dizer em minha defesa que desde Maria não durmo.

Não carece saber meu nome, apenas que não durmo. Experiencio a defasagem temporal de 24 horas que se repetem e se repetem e se. Já não sei o que houve. Se por algum instante iminente saberia. Maria se foi com a verdade. E eu sei que em tudo eu quase sei.

A primeira vez que a vi, reparei em seus dentes, grandes, brancos, pingavam leite, queria bebê-los. Quando sorria, seus lábios vermelhos de tal rubro estranho que nenhum batom pinta, nem a rotina encontra, eram coloridos pelas horas. Pareciam esbanjar a felicidade branca do que guardavam e era inacabável. O sorriso sorria Maria fatorialmente. Meus olhos eram embebidos em simetria por cada resquício de branquidão. Lembro-me bem que, antes de me cativar, sua boca fazia questão de enrugar as quinas do rosto, espremendo rubro sobre rubro, já uma dança, tango, devorava-me a própria visão.

É mais que um bilhete roubado, não são as direções dos trilhos do trem, muito menos os sentidos que me importam. Posso estar em Viena, no Jalapão, embaixo d'água, no Ártico, no espaço, morto, que ainda o que meus olhos veem ou viam ou veriam está impresso em minha retina, a última imagem, os dentes de Maria.

Mas não. Não. Poderia ter esquecido de todo o resto a partir deste instante em que na sala 207, quando o relógio já trombava entre as horas e os minutos, a moça de véu veio ao meu encontro. Alguém diria que sua origem era muçulmana, porém um observador mais atento logo entenderia a sua paixão por tecido que plana. Os cabelos tentavam se esconder embaixo das linhas de algodão, mas a brisa que vira arremessava o conjunto para cima. E então. Somente então, eis que vem vindo, as covas, as mãos apreensivas tentam conter o véu de partir, os passos se interrompem, ela me mira de uma olhar que vem baixo e se ergue, as bochechas já róseas,
sorri.

Creio que nesse dia o céu se recusou a tirar as nuvens para dançar, por isso o vento úmido, abrigando os passos, como rosas encaminhadas, pétalas que se arregaçam, sinto que o mundo de Maria se abre neste enquanto. Ela se aproxima lentamente, tento imaginar o que procura, posiciona sua mão sobre a minha, segura-a, aperta, e agora me olhando
diz.

Esperava e continuo esperando que meu olhar dissesse de volta, mas talvez sejam besteiras que as ventanias contam aos sábados, apenas para nos advertir que todos os domingos são dotados de marasmo e solidão.

Algumas vezes os sentidos nos pregam peças, até hoje eu não sei se o que foi dito era um pedido ou uma sentença, embora tenha sido o suficiente para me arrancar da sala quase ensolarada, quase escurecida, por folhagens de cerejeiras da praça principal. O corredor que se segue porta afora, aquele mesmo corredor de todos os dias, se tornou parte da minha história dentro da que Maria haveria de contar.

É disso que tudo se trata: uma história. Nunca saberei se ela o fez para se livrar ou me amaldiçoar. A verdade é que o fez.

Certas pessoas possuem uma mania peculiar, indizível, algo arbitrário, nascem com isso, vivem ligando os outros a elas. Ninguém entende bem o motivo, se pelo jeito de se portarem, os detalhes, se buscam sempre estar próximas dos abismos alheios ou se simplesmente arrastam minunciosidades por onde passam. Eu estava completamente ligado às suas mãos, tal véu, encurralado, não foi difícil me convencer a adentrar aquele bar de mesinhas em xadrez, bastou que me mirasse.

Céus! Como se seus cílios amarrassem os meus!


Pois se sabe, quando a pertubação é tão grande, os olhos se recusam a fechar e quando fecham é para permanecerem acordados.


Depois que nos sentamos, tive a certeza de que ela não fugiria a qualquer instante - na verdade não tive a certeza de nada, mas quis me enganar que sim -, ao menos não ali. O lugar se assemelhava a um comum botequim dos anos 50, fora o fato de que também era uma sorveteria. Entre os golpes toscos de cachaça, crianças e seus avós embriagavam-se de açúcar em potinhos de neve, todos os risos eram bêbados.

Guardar histórias no bolso da camisa, na sola dos pés,... Ah... Tive a impressão de que quem frequenta essa iguaria guarda mesmo histórias embaixo das unhas, discretas, doloridas e grifadas em carne viva.


"É longe". Foram as primeiras palavras de Maria.

E finalmente deixou que o véu escorresse por cima de seu colo.



sábado, 4 de julho de 2009

: há,


http://www.flickr.com/photos/dcdead/


como que um pedido, o sopro. delicadamente folha a folha se eriça até seus pés. os olhos cerrados só percebem a luz rarefeita deixada pelos cílios que se erguem. um chiado, o vento toca o campo com notas de pressa e sossego. o frio lhe serve de desculpa pra cravar as unhas de braços entrelaçados na pele. as rugas dos olhos que não são de idade expremem célula por célula, uma sobre a outra, apaixonadamente, fazendo da visão um limão partido, em que seus gomos são forçados a se compelir e, na desistência de se deixarem, liquefazem.

Maria, Maria, se a solidão só destila fraqueza...

domingo, 14 de junho de 2009

sois (em) g maior


- , ainda resiste, Nyala.

Esnobando a indiferença das pálpebras que caem para não encontrar o que agora encontram, soergue-a pelo queixo e abusa de sua retina, contraindo pupila adentro. Fá-lá-se mirar Nyala.
É muda, carregada de verbetes que os dicionários tentam calcular progressões infinitas ca la das, mas Nyala finda. Só Nyala finda, ninguém pronuncia o que Nyala impronuncia. Girau a segura, punho a dentro, hermeticamente pensa que pensa o que pensa. Girau deseja tocar Nyala. Deseja senti-la, mas seus dedos não ultrapassam o projeto de casca que finge se guardar.
Ela força o corpo dele para se desvencilhar, afasta, e, enfim o fita, laço de fita, ele a prende no iminente andar. Era uma tortura, afinal, amá-lo em cores, mal ele saberá e melhor que esqueça antes que tropece em sua profundidade magnética, 'mundo, mundo, vasto mundo'.
- . E não será, Girau, o irresistível,

sábado, 30 de maio de 2009

Maio


Depois de cruzar os dois abismos dos pés, entre as solas dos sapatos e o espaço que os desune. Cruzar tão infinitamente que reside. E do que foi nada permanece inteiro, fiapos trocados, um mosaicosemfluido, descontrolados, osmoses interrompidas. Depois, bem depois, que um segundo é mais denso que uma vida. Longe de breve, perguntas recorrentes se calam. Não queria respostas, pontuações, colóquios. Obsessivo demais para um banal fim. Desarma, patas que desarticulam, peito que desabrevia, des-conhece des-maio.
Agora, perto, atinge a distância imensurável do que não se controla. Pânico, escorre pelos dedos, viscosidade inválida, não prende, não guarda e no entanto valeria mil abismos. Não é amor, nem ideologia, é dilema. O caso é casado com o descaso do que na verdade descasca. Diz casca, onde deixou meu vínculo que não enxergo a não ser na escuridão da pálpebra cerrada? Diz! Porque o que sinto sinfonia. O que ouço se move e o que se move se colorimetria. Mas que parte existe e qual outra se cria?

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Peixe-bomba





Eu tinha um peixe que se chamava Jeremias e, por infortúnio do destino, foi o último a morrer dentre os seus amigos aquáticos. Durou muito tempo para um peixe e talvez pela onda de homem-bomba, carta-bomba, tudo-bomba, tenha se tornado um peixe-bomba. E, dessa vez, cedo demais.

Eram seis horas da tarde quando o sinal da AASB (Associação dos Aquáticos Saltantes e Borbulhadores) chegou. Eu estava dormindo, mas, pelo que me disseram, a Operação dos Peixes Oprimidos começou com mergulhos parafusos e pequenos espirros d'água ali e aqui, perto do interruptor. Com o tempo, foram evoluindo para saltos olímpicos extraordinários até resultarem em uma descarga elétrica em uma caixa de fogos de artifícios. Foi um estouro de todas as cores pelos ares. Eu, que acordei meio atordoada  saí correndo em estado de pânico, salvei apenas as minhas pantufas.

Enquanto os bombeiros não chegavam, a imagem da minhas casa em chamas me agonizava ao me lembrar do peixe. Pensei que já havia tostado. Puro engano. Ao fim, ele estava intacto. E, antes de algum novo acidente, decidi me livrar dele. Soltei-o em um rio qualquer, cujo destino desconheço , mesmo sem saber se é de fato uma boa idéia. Com essas marés de tsunami e El niño, talvez ele vire peixe-relâmpago ou, quem sabe um dia, peixe-morto.

De qualquer forma, é por isso que dizem que os cachorros são os melhores amigos do homem, eles não possuem nenhuma organização, a não ser os que são raivosos, latidores, arranhadores, mordedores, policiais, jedis...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Assalto à-moral

http://flickr.com/suzen

Num brechó localizado no centro histórico do Rio de Janeiro, havia duas cadeiras. A primeira oriunda de um burguês falido do Leblon e a segunda da família de um traficante morto. Entre os burburinhos das pessoas, elas conversavam:

- O centro tá cheio hoje, hein?
- É...
- Acha que vão te comprar?
- Quê isso, bróder, tô acabadona e tu?
- Ah, sou muito cara e não vejo socialites por aqui.
- É, tá loco, mano, medão de ser assaltada ou morrer.
- Verdade.. Como que era lá no morro?
- Fogos de artifício e tiro ao alvo sem prendinhas. E lá no aparti?
- O garanhão não trabalhava, vivia de herança, mas depois de tanta amante perdeu tudo na justiça.
- Sei como é... Ah, nem... bem que podiam tirar a gente do sol, né?
- ih... Olha lá o tipo, hein?
- Tirou uma nota de cem, mano, burguês vestido de tráfico.
- De vez em quando, eu acho que eles são um povo só.
- E são, mas fingem que não.
- Olha o arrumadinho, aí.

"Assalto!" "Assalto!"
Roubaram tudo e as cadeiras foram quebradas.

Tatuagem

http://www.fotolog.com/de_oleacea

Caminhando com uma caneta no bolso, eu sento na calçada e penso nas milhares de histórias que ela pode contar. Seja rabisco ou palavra, signos novos e velhos, guardados na tinta e na mão de quem escreve. Pelas madrugadas, enquanto essa crônica é construída, eu entendo finalmente o caso de amor do papel pela cor que a caneta de fina ponta o corta metaforicamente. É um caso que o o Homem induz e assiste, porque não podia viver sem.


Na imensidão do Homem existe um abismo que só pode ser visto sob a óptica do risco no papel. Que nem sempre foi papel. Foi pedra pintada por antigas civilizações, outras vezes entalhada. Até chegar na forma branquinha, houve um caminho árduo com papiros e pergaminhos. E não pôde ser a bruta mão humana quem continuava a pintá-la, dedo a dedo, ou um pedaço de pedra, primeiro veio a pena. Com ela, tinteiros se derramaram de cartas, petições, notícias, livros e desenhos.

Caminhando com uma caneta no bolso, eu carrego a obra prima da tradução da humanidade, lei a lei, regra a regra, linhas permeadas ou não de poesia. Quem olha de longe, tão comum, pensa, " é uma moça com caneta no bolso", "só". Mas dentro do tecido da minha calça cabem coisas incabíveis, que conseguem apenas transbordar para o mundo. É por isso que passo noites inteiras de insônia com a mão coçando. De tantas idéias saltando, elas escorrem e fogem do tempo de riscá-las no papel branco.

Branco, como milhares de cores juntinhas e girando rapidamente. Entre pilhas de guardanapos e chamex, as paredes da humanidade soerguem nesse abismo louco chamado linguagem. Discurso a discurso, o papel segue o curso que a caneta comanda, num rio de tinta de correnteza, que a mão realiza por não conseguir deixar de ser parte. E nesse depende-e-depende, o Homem não vive sem a caneta, nem ela sem o papel, assim como o papel não tem sentido sem o Homem.

Caminhando com uma caneta no bolso, eu sou Homem e papel, e, papel e Homem, me rabisco.